sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Sonhos.

A Garota.

Era uma noite qualquer, normal.
Lua crescente? Nova? Cheia? Não lembro, na verdade, acho que é irrelevante.
Lembro-me sim de chegar no quarto, fazendo um movimento circular com os ombros, afim de passar a "sútil" dor que havia se instalado nos ombros. Carregar o peso de meio-mundo não é fácil, ainda mais quando não se tem nada para apoiar.
Massageava levemente a nuca, meio que envergando-a para a direita, para poder sentir onde estava dolorido.
Sim, estava um caco, cansado e nem um pouco afim de demorar mais para ir para a cama.
Então finalmente me sentei na cama, tirei a sobra de vestimenta que tinha e olhei para a janela. Após ela, só tem cimento e uma fina luz prateada resplandecendo no cimento cinza.
Então finalmente, após umas boas horas aturando tudo que a vida pode oferecer, deitei-me.
Meu corpo fatigado parecia agarrar-se à cama e ao travesseiro, embora o travesseiro parecesse algo como uma rocha, incômoda, deitei-me, procurando uma posição confortável, algo em que eu pudesse descansar o corpo.
O corpo...
Nada mais. Minha mente era a única coisa que eu sabia que não podia descansar, sabia que enquanto estivesse por aqui.
Enquanto estivesse entre brigas e desordem, enquanto os problemas térreos me afetassem, enquanto as intrigas existissem, não podia haver paz.
Não conseguiria descansar minha mente, não podia. Tinha de me manter alerta, rápido o suficiente para poder escapar.
Então fechei minhas pálpebras e tentei procurar um bom descanso.
Mas quando o silêncio e a calma se juntam, conseguem ser mais ruidosas do que com mil barulhos, mil canções.
Minha mente começou a funcionar, os meus problemas vieram à tona e não conseguia dormir.
Não conseguia descansar, havia tanta coisa a ser feita, além de meu alcançe, além de minha força física ou até mesmo de minha experiência vivente.
Então fiz o que costumo fazer com este tipo de problemas, ignorar.
Sim, é uma opção covarde e egoísta de lidar com as coisas e infinitamente mais problemático quanto a meu caráter.
Mas eu tinha de fazer isso, sabe, eu tinha de descansar e resolver aos poucos, ou pensar que havia resolvido.
Quão desesperado é isso, lhe pergunto?
O quão desesperado é ignorar os problemas, a ponto de poder descansar "sereno" para amanhã enfrentar este mundo imundo por suas hipocrisias e preconceitos.
Um mundo onde se asfixiam com o próprio ar.
Então, sim, eu durmo com meus problemas na cabeça. É uma e a única solução que consigo achar, até bater com o problema de frente e poder resolver.
E após ter parado todos os pensamentos (ou me enganar que não estou pensando) consigo adormecer.
Consigo ter uma paz bem artificial, onde qualquer coisa me incomoda. Mosquitos, o vento frio da noite, até mesmo os lençois onde me cubro.
Mas...Teve algo especial esta noite.
Algo...extraordinário...


Havia acordado no meio no nada. No completo vazio, tudo era branco, como a folha em que escrevo. Eu havia acordado onde não existia paisagem a não ser um cabelo dourado no caminho.
Como tudo era muito branco, me incandeava. Eu infelizmente não conseguia ver o rosto daquele longo cabelo dourado-mel.
"- Não é assim, seu bobo. Ahah."
Sua voz era, sem melodramas, angelical. A alegria divertida que senti na voz dela era de apaziguar a criatura mais agressiva de qualquer mundo que eu estivesse.
Algo tocou meus lábios e os cabelos dela pairavam em meu peito.
Conseguia ver o pescoço desse anjo, do ângulo que eu estava. E conseguia sentir seu aroma.
E me beijou, sim. Consegui sentir um calor manso, sem pressa, que vinha do beijo dessa divindade.
Me beijou calmamente, como se tivesse me ensinado.
Primeiramente, eu pensava que esse não era eu. Pensei que o beijo que ela me dera seria pensando que estava com outro, mas eu continuei beijando-a até que ela parou e do rosto indecifrável surgiu uma risada divertida.
"- Ok, agora aprendeu?"
Até esse momento, não tinha certeza se era eu, porque nunca havia feito tanto coisa boa para merecer um beijo desses, mas, do nada, minha voz se projectou...
"- Eu não te beijei bem da primeira vez porque estava ao contrário, Senhorita."
Ela riu, como se estivesse esperando a resposta, como se me conhecesse tanto quanto o beijo que me dava.
"- Então vamos ver se não é mentira."
Minha cabeça bateu o solo enquanto ela se levantava. Eu estava deitado no colo dela, por isso parecia tão bom...
Olhei o rosto dela novamente, sem parar de sorrir, mas...Não conseguia ver o rosto dela!
Droga!
Estava embaçado, conseguia ver-la sorrir mas...o rosto era embaçado como qualquer sonho.
Eu não queria saber se era um sonho. Eu queria aquilo.
Queria aquela sensação VERDADEIRA de paz! Eu havia conseguido a primeira sensação verdadeira de paz em todos os meus anos de vida.
Mas não importa. Ela se ajoelhou perto de mim e logo após, deitou-se em cima.
Conseguia sentir cada curva, cada linha do fino e esguio corpo desse anjo.
Pôs seus braços cruzados em meu peito e ficou com seu rosto, embora embaçado, perto do meu.
"- Então, vai ficar ai parado?"
Mais uma vez, com sua voz anormalmente divertida e despreocupada, ao mesmo tempo, sedutoura.
Sabe, embora a face estivesse embaçada em meu sonho, eu lembro-me de ficar dislumbrando-a por minutos a fio.
Não existia tempo...Era algo surreal, mas caramba, nunca quis tanto que fosse real.
Então beijei-a com toda a ternura de meu ser. Tanta que nem mesmo eu sabia que tinha.
E ela retribuia com todo o calor que meu corpo podia oferecer.
Acho que se morresse, ela me ressuscitaria com um beijo desses, pensando bem, tenho certeza.
Os finos dedos femininos dela tocavam minha face, como seda.
E tudo ficaria por ali. Eu com meu anjo.
Com minha paz.
Mas algo me perturbava. Não a situação, não ela.
Aliás, não perturbava nem o momento. Perturbava-me a mim.
Eu, que não falava, apenas sentia.
Sentia o sol me tocando, embora não houvesse sol neste paraíso.
Sentia os pássaros piando e os carros buzinando zangados.
Sentia os sentimentos terrenos fluindo por mim.
Não, não quero ir. Não quero ir, por favor.
Quero ficar ali, quero ficar na minha mente, não o mundo real, por favor.
Não precisava comer e/ou beber.
Respirar, muito menos.
Eu vivia para ela. Por ela.
Me deixa aqui, só não me manda de volta.
11:00 e o telefone estava tocando, com a música que antes era minha favorita, agora, me interrompendo de minha vida perfeita.
Um movimento agressivo de braço e anulei a música.
Sabia que estava acabando meu tempo. Mas não parei de aproveitar aquele rosto, o toque e o cheiro.
"- Se eu te perdesse para um sonho, você me encontraria?"
A voz nada disse, apenas me beijou rapidamente.
E eu podia sentir um sim neste beijo.
Toquei-a, acariciei-lhe a face e dei um outro beijo, como se fosse agradecendo.
Ela sorriu, sei que sorriu.
E o alarme tocou para 11:30.
A névoa de pensamentos terreos obscureceu o cenário paradisiaco e ausente de cores.
Tudo ficou preto. Um pleno bréu.
Depois amenizou, quando senti o sol bater em meu rosto marfim.
Fechei as sombrancelhas, com ar de rejeição e abri os olhos.
Me tirou de lá...Ele me tirou de lá...
Eu me tirei deste paraíso. Porquê?
Olhei para onde havia batido o braço e...nada.
Nenhum celular. E de acordo com meu relógio de parede, era 13:30 da tarde.
Meu corpo estava cansado.
Minha mente, sã. Calma.
O rosto dela pairava em minha lembrança.
Eu havia descansado tanto, mas tanto, que meu corpo reagiu diferente. Meu corpo negou a pseudo-realidade que minha mente havia criado para me manter calmo.
Ele negou algo que nunca havia sentido, por ser anormal e por isso, fiquei deveras irritado.
Irritado por ter algo que me prendesse à realidade que não quero.
Mas...pensei por um momento.
Pensei que poderia tornar isso real, poderia haver aquele anjo meu. Será?
Tomara.
Eu espero o tempo que for. O tempo que precise.
Então sentei na cama. A gravidade fez com que minha cabeça pesasse mil vezes mais que o comum.
Agora sim, sabia que estava acordado.
Dor no ombro. Nuca.
Suspirei e pensei mais uma vez nela, sorri, com uma lágrima de esperança no canto de meu olhar.
Então, finalmente levantei. Os ossos que sustentavam minha carne e alma estalaram, como se não utilizasse-os à eras.
Então caminhei até ao banheiro, me enfrentei no espelho e algo saiu da minha boca.


"- Vem me buscar, por favor."



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